Luiza Eluf Procuradora de SP |
Descaso nas enchentes
A tragédia de desabamento na região serrana do Rio de Janeiro e também em São Paulo já causou mais de 650 mortos. De acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas), esta foi a décima maior tragédia de desabamentos do mundo. A procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Luiza Eluf, afirma que, no caso de tragédias de grandes proporções, é difícil estabelecer de quem é a culpa, porém não é impossível. Uma vez estabelecida a responsabilidade de que a tem, é possível pedir indenização ao Judiciário.
Luiza, o que faltou do governo federal como prioritário?
Entendo que o caso das enchentes envolve as 3 esferas governamentais: municipal, estadual e federal. O governo federal tem mais recursos e precisa ajudar os estados com problemas de inundações. Porém, a inércia, o descaso, a falta de responsabilidade e a corrupção não são privilégio de ninguém. As ocupações ilegais de encostas, áreas de preservação ambiental e de mananciais nunca são condutas ocultas. Estão na cara de todo mundo. A pergunta é: por que as autoridades ignoram as invasões? A conivência com a infração é a grande causadora dos males em nosso país.
O estado de SP já está realizando um incentivo financeiro (valor do aluguel, entre outros). Esse tipo de incentivo é suficiente para reparar estes danos ou a população deve recorrer a Justiça?
A princípio, a população precisa aprender a votar. Todos sabem reclamar, mas, nas eleições, não procuram saber quem são os candidatos, se têm competência ou não, se são honestos, etc. Votam no Tiririca que confessou não ter a mínima ideia do que faz um deputado federal. Não adianta reclamar depois.
Qual a posição do Judiciário no sentido de apontar perdas irreparáveis em caso de morte?
No caso de tragédias de grandes proporções, é difícil estabelecer de quem é a culpa, porém não é impossível. Uma vez estabelecida a responsabilidade de que a tem, é possível pedir indenização ao Judiciário. O problema é que, mesmo que a pessoa ganhe a ação e tenha seus direitos reconhecidos pela Justiça, terá que entrar na interminável fila dos precatórios... Ou seja, o Estado se furta de suas obrigações e depois, de forma indireta, mas eficaz (precatórios), se furta do pagamento das indenizações.
Tal desastre provocou pequenos furtos/delitos. Existe o caráter inimputável no delito, visto a tamanha necessidade destas pessoas?
Os saques nem sempre são praticados por estado de necessidade. Se não há ninguém em condições de cuidar da segurança de determinado estabelecimento comercial ou residência, ou mesmo de uma cidade, os aproveitadores furtam o que encontram pela frente. Não se pune o furto famélico, mas os saques podem ter outra natureza, é conveniente separar os dois tipos de conduta. De qualquer forma, diante de grandes eventos destruidores, fica difícil identificar malfeitores e impor a lei.
O que se pode fazer para evitar os mesmos problemas em janeiro do ano que vem?
É preciso desocupar as áreas de risco imediatamente. Isso cabe às prefeituras em primeiro plano, mas convênios com os governos estaduais e federal são importantes porque não será possível vencer o trabalho que deixou de ser feito durante décadas contando somente com as prefeituras. A desocupação, por sua vez, deve vir acompanhada de habitações populares construídas para servir de moradia àqueles que forem obrigados a deixar suas casas. No caso do estado de São Paulo, além de evitar invasões a todo custo, é preciso cuidar dos rios Tietê e seus afluentes. São necessárias novas represas para armazenar as águas das chuvas de verão e o saneamento básico tem que atingir todas as cidades do Estado. Isso é tarefa árdua e custosa, mas não podemos mais ficar sem ela.
Luiza Nagib Eluf - procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo
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